| Decisão Proferida
DECISÃO
INTERLOCUTÓRIA Vistos. Trata-se de Ação Civil Pública para imposição de
Obrigação de não fazer com pedido liminar, movida pelo Ministério
Público em exercício nesta Comarca, em desfavor do Município de Caraúbas
e do atual Prefeito Ademar Ferreira da Silva, todos devidamente
qualificados nos autos. Aduz em apertada síntese que o Município de
Caraúbas, encontra-se no rol daqueles elencados pelo Estado como em
situação de emergência, consoante Decreto nº 22.637/2012, prorrogado por
mais 180 (cento e oitenta) dias pelo Decreto 23.037/2012. Esse estado
de emergência decorre, dentre outros motivos, da ausência de chuvas na
região, o que causa estiagem, afetando a população mais carente que vive
em sua maioria da pecuária e da agricultura, além de outros “danos
importantes e prejuízos vultosos, contribuindo para intensificar a
estagnação econômica e o nível de pobreza do semiárido
norte-rio-grandense e, consequentemente, os desequilíbrios
inter-regionais e intra-regionais”. Afirma o Parquet, que mesmo em face
da situação de emergência vivenciada pelo município, o então gestor, em
afronta à Recomendação Ministerial anteriormente expedida, realizará
entre os dias 10 e 20 de janeiro do ano corrente, a tradicional Festa de
Padroeiro da cidade. Alega ainda, que em contrapatida, o Poder Público
há anos não desempenha qualquer ação relevante no sentido de estruturar a
produção rural ou qualquer outra atividade que amenize o sofrimento de
quem vive a situação caótica das secas, vivenciando ainda outras
dificuldades financeiras, inclusive para o pagamento dos funcionários da
prefeitura. Assim, promoveu a presente, com o fim, não de impedir a
realização dos festejos, mas de determinar que as bandas e a estrutura
de som, palco e iluminação, não sejam pagas com dinheiro público,
requerendo que seja determinada a obrigação de não fazer, proibindo que
seja empenhada, ordenada ou de qualquer outra forma paga pelo Município
de Caraúbas, o custeio do referido evento festivo (fls. 27). Colacionou
documentos (fls. 31/43). Em petição juntada hoje (10 de janeiro de
2013), o Ministério Público afirmou que o Município, na pessoa de seu
representante, o prefeito Ademar Ferreira, formalizou pedido perante o
Órgão Ministerial, no sentido de tentar formalizar um acordo para a
realização do evento festivo, com a redução dos valores inicialmente
programados para R$ 160.500,00 (cento e sessenta mil e quinhentos
reais). Juntou na oportunidade os documentos que comprovam os valores a
serem gastos com a Festa de Padroeiro. Contudo, o Parquet observou
diversas irregularidades, as quais dá conta em seu petitório agora
acostado, aduzindo que no processo de administrativo que deu ensejo a
contratação das bandas foi feito um levantamento de preços com a
empresa, tendo esta apresentado um valor a maior e outro a menor,
celebrado o contrato pela maior quantia e diante da intervenção
ministerial, objetiva-se a adoção da segunda proposta comercial e que
tal prática é incabível, pela clara afronta as regras mais comezinhas
que norteiam a administração pública brasileira. Fez outras
considerações, que no momento não são pertinentes para a análise do
cabimento da liminar. É o que importa relatar, passo a decidir.
Inicialmente registro que, presentes os pressupostos legais, bem como as
condições da ação, recebo a inicial e em consequência passo a analisar a
liminar pretendida. Por oportuno é necessário frisar que no presente
momento não está em questão a regularidade ou não do processo
administrativo que deu ensejo a contratação das bandas, visto que em
sede de cognição sumária a atividade do juiz consiste em examinar com
menor verticalidade fatos e direitos postos sob sua apreciação para que
compreenda algo, não se examinando profundamente o mérito da questão. Ao
fazê-lo com razoável agilidade e baixa intensidade, dificilmente o
magistrado conseguiria colher da sua cognição a convicção de “certeza”
da existência do direito alegado e do fato verificado. Apesar disso,
essa espécie de percepção é apta a permitir ao juiz inferir
“probabilidades” de existência dos elementos examinados, o que basta à
concessão de certas medidas jurisdicionais, a exemplo das cautelares,
como é o caso dos autos. Os elementos de que falo são o direito posto em
juízo e o fato que pode desencadear-lhe a lesão. Após examiná-los
sumariamente, concluindo pela probabilidade do direito e da lesão, o
magistrado estará autorizado a determinar medidas jurisdicionais que
previnam o dano iminente. Daí os pressupostos “fumus boni iuris” e
“periculum in mora” que caracterizam as tutelas de simples segurança.
Com relação ao pedido liminar formulado pela parte autora, observa-se
que possui como fundamento jurídico o art. 12 da Lei nº 7.347/85 que
autoriza a concessão de tal medida em sede de ação civil pública, ao
prever que "Poderá o Juiz conceder mandado liminar, com ou sem
justificação prévia, em decisão judicial sujeita à agravo". O
deferimento da medida liminar, como dito anteriormente, requer que
estejam presentes, simultaneamente, o fummus boni iuris, conceituado
como a probabilidade apresentada ao magistrado, mediante uma análise
processual em cognição sumária e do periculum in mora, tido como a
possibilidade do direito material pleiteado perecer, diante da demora
ínsita ao normal procedimento do feito, até o julgamento definitivo de
mérito. Analisando a presença dos requisitos em causa, o fummus boni
iuris está bem caracterizado, diante da documentação dos autos que
confirmam os fatos descritos na peça do MP, bem como através da doutrina
moderna que dispõe sobre o direito em si, que indicam a necessidade do
controle do ato do gestor público diante da flagrante violação à
princípios fundamentais garantidos constitucionalmente, como o da
dignidade da pessoa humana e da eficiência. Reportando-se ao caso em
tela, verifica-se a presença de requisitos fáticos e jurídicos capazes
de atestar a “fumaça do bom direito”. Com efeito, o Ministério Público
juntou aos autos documentos hábeis a comprovar suas alegações. Primeiro,
é sabido pela população em geral que o município de Caraúbas foi um dos
Municípios do estado do Rio Grande do Norte declarado em situação de
emergência, por ter sido afetado por desastres naturais relacionados a
intensa redução das precipitações hídricas, em decorrência da estiagem,
consoante dispõe o Decretos nº 22.637/2012 que foi prorrogado e está em
vigor, de acordo com o Decreto nº 23.037/2012, que reconheceu a
continuidade da situação por pelo menos mais 180 (cento e oitenta) dias,
ou seja, até abril de 2013. O Jornal De fato, em 08/11/2012, publicou
que: Na zona rural de Caraúbas, não são apenas os animais que sofrem com
a estiagem. Pelo menos 31 famílias do projeto de assentamento Santa
Agostinha, sofrem com a falta de água. A localidade é a única do
município que não dispõe de um reservatório. As famílias se abasteciam
de uma pequena cacimba que, com a seca, praticamente não tem mais vazão.
Agora, para não passar sede, eles são obrigados a comprar água, o
problema é que, onde falta o básico, dinheiro é um item raro. De acordo
com o agricultor Francisco Evanildo Costa, presidente do grupo de jovens
da comunidade, o problema é mesmo crônico. “Está complicado porque,
além de caro para as nossas condições, está difícil comprar um
carro-pipa porque a água está ficando cada vez mais escassa na região”,
alerta. A saída é contratar os caminhoneiros de Apodi, mas lá o valor da
carga é bem maior. “Já estão pedindo R$ 100 por carro-pipa e isso para
as famílias é muito”, completa. O agricultor garante que a questão é
fácil de resolver, para isso basta vontade política. Uma alternativa é
perfurar um poço no assentamento com profundidade acima dos 100 metros e
construir uma caixa de água, a outra, é instalar três quilômetros de
canos de um poço já instalado próximo do local. “Algo precisa ser feito,
somos 30 famílias”, disse. A maior revolta da comunidade é que o
problema é muito antigo e, há muito tempo, as famílias reivindicam uma
solução para o problema que está se tornando crônico. A prefeitura já
andou articulando uma solução, mas, até agora, tudo não passou de
promessas.(Disponível em
http://www.defato.com/noticias/8418/comunidade-nao-tem-agua-para-beber-em-caraubas)
E as notícias não param por aí, qualquer pessoa que se habilite a fazer
uma rápida pesquisa, encontra facilmente na internet as inúmeras
reportagens que dão conta do sofrimento que vive a população rural de
Caraúbas com a falta de água. Mesmo tendo conhecimento desse fato, e
presume-se que o tenha, o Município de Caraúbas resolveu, em desatenção a
Recomendação Ministerial para que os gestores públicos municipais
evitem destinar recursos para qualquer tipo de festa enquanto durar o
decreto de emergência, realizar um grande festejo entre os dias 10 e 20
de janeiro com atrações cujo valor total de R$ 243.500,00 (duzentos e
quarenta e três mil e quinhentos reais) contempla quinze dias de bandas,
com preços que giram entre R$ 3.500,00 (Banda Caçula Benevides) a R$
50.000,00 (Banda Solteirões do Forró), além dos gastos com palco som,
iluminação, banheiro químico, dentre outras coisas que resultam no valor
de R$ 79.970,00 (setenta e nove mil, novecentos e setenta reais).
Qualquer pessoa com bom senso diria que não é necessário procurar o
Poder Judiciário para que o gestor público investisse o dinheiro em
serviços essenciais. Não que eu seja contra os festejos religiosos e
culturais, mas no momento o município encontra-se em estado de
emergência, sem conseguir sequer realizar o pagamento de sua folha de
funcionários, conforme se extrai da ACP também interposta pelo
Ministério Público em dezembro último. Não entendo no momento que seja
prioridade realocar o valor acima mencionado para o pagamento de bandas.
Não dinheiro público. O que se busca na verdade é que diante da
situação de dificuldade que o Município passa, que qualquer recurso que
exista em suas contas seja direcionado às necessidades primordiais da
sociedade, amenizando o sofrimento e a privação de direitos mínimos e
fundamentais aos caraubenses. Como bem asseverou em decisão similar em
dezembro de 2012, a Juíza de Direito da Comarca de Jucurutu, Dra. Marina
Melo Martins Almeida “seria mais fácil para o Poder Judiciário, diante
de tal pleito ministerial, reconhecer tão somente a soberania popular
que legitimou o Prefeito do município, e deixar em suas mãos,
exclusivamente, a gestão das políticas públicas, não intervindo nos atos
dotados de discricionariedade. Todavia, quando o magistrado se alija de
tais assuntos, acaba abandonando sua função social, ou melhor, seu
papel de também defender a efetividade dos direitos mínimos da população
que vive sob sua jurisdição, até mesmo para prevenir a judicialização
de inúmeras demandas coletivas que buscariam ter acesso à direitos
fundamentais violados.” Outrossim, o Parquet juntou também a
Recomendação conjunta dos Ministérios Públicos Estadual, Federal,
Especial (junto ao Tribunal de Contas do Estado) e o Eleitoral aos 139
municípios do Rio Grande do Norte afetados pela seca, que tem como
objeto a visando prevenir a responsabilização dos gestores públicos e da
aplicação das sanções administrativas cabíveis, tendo em visto que
alguns Municípios abrangidos pelo Decreto nº 22.637/2012, apesar da
situação de emergência, vêm empregando verbas públicas na contratação de
bandas e realizações de festas, o que mostra incompatível diante da
grave situação de seca enfrentada. De forma diferente agiram outros
gestores, a exemplo do município de Areia Branca, com seu então prefeito
Manoel Cunha Neto, “Souza”(2012), que em obediência ao decreto da
governadora Rosalba Ciarlini (DEM) e a recomendação do MP, que proíbe
qualquer evento de natureza festiva durante o período de decretação de
situação de emergência em 139 municípios, incluindo Areia Branca,
cancelou as festas de agosto e com a prorrogação do Decreto, cancelou
também as festas de aniversário da cidade. Em que pese o Município ter
procurado o Ministério Público, ocasião em que informou “(...) conforme
documentação anexa que se dispõe a reduzir pela metade os eventos
programados, suprimindo algumas contratações, e chegando a um valor
final de R$ 160.500,00 (cento e sessenta mil e quinhentos reais) (...)”,
é importante destacar que esse seria o valor referente só aos
pagamentos das bandas, ainda teriam R$ 79.970,00 (setenta e nove mil,
novecentos e setenta reais), referentes ao som, palco, iluminação, entre
outros, temos que a proposta não foi aceita pelo Ministério Público que
entendeu, além da presença de algumas irregularidade que para o
momento, não devem ser mencionadas, que a administração na primeira
proposta pagaria o montante de R$ 16.233,33/dia (dezesseis mil, duzentos
e trinta e três reais e trinta e três centavos por dia), tendo quinze
dias de espetáculo. Doravante, passará a despender, com a segunda
proposta, R$ 26.750,00/dia (vinte e seis mil setecentos e cinquenta
reais por dia), para apenas seis dias de evento, ou seja, a proposta
tornou o evento relativamente mais caro, o que o torna inviável. No que
concerne ao perigo na demora, que significa o fundado temor de que,
enquanto se aguarda a tutela definitiva, venham a ocorrer fatos que
prejudiquem a apreciação da ação principal ou frustrem sua execução,
observo que na verdade este relaciona-se às necessidades mais básicas da
população em geral, que estão intimamente ligadas ao princípio supremo
da dignidade da pessoa humana. Não estamos falando do que é supérfluo,
água é vida e merece do Poder Público toda atenção necessária e
organização combativa para, quiçá, amenizar os efeitos de sua falta.
Perigo está na demora em atender a população carente da zona rural que
sofre com toda sorte de problemas decorrentes da estiagem. Os efeitos da
seca são cruéis, merecem mais atenção do Município de Caraúbas, que
fechou os olhos para essa situação, por isso merece um freio por parte
do Judiciário.(CDROM nº 3, Editado por Revista Jurídica Legislação,
Jurisprudência e Doutrina - Out/99. Trabalho de Márcio Louzada Carpena -
Medidas liminares do processo cautelar). A análise do perigo na demora é
fundamental para a concessão da cautela. Trata-se de questão de bom
senso. Em tese, nenhum magistrado deferirá uma medida se averiguar que
os efeitos de sua concessão poderá causar danos nefastos e mais
violentos do que visa evitar, mas este não é o caso pois não é o intuito
do Judiciário tolher a cultura no município, mas, determinar que haja
uma razoabilidade na realização do evento, com uma reorganização nos
valores descriminados, adequando prioridades para os cidadãos de
Caraúbas. Encontramos na jurisprudência diversos julgados nesse sentido,
vejamos: “... que a ineficiência administrativa, o descaso
governamental com direitos básicos do cidadão, a incapacidade de gerir
os recursos públicos, a incompetência na adequada implementação da
programação orçamentária em tema de educação pública, a falta de visão
política na justa percepção, pelo administrador, do enorme significado
social de que se reveste a educação infantil, a inoperância funcional
dos gestores públicos na concretização das imposições constitucionais
estabelecidas em favor das pessoas carentes não podem nem devem
representar obstáculos à execução, pelo Poder Público, notadamente pelo
Município (CF, art. 211, §2º), da norma inscrita no art. 208, IV, da
Constituição da República, que traduz e impõe, ao Estado, um dever
inafastável, sob pena de a ilegalidade dessa inaceitável omissão
governamental importar em grave vulneração a um direito fundamental da
cidadania e que é, no contexto que ora se examina, o direito à
educação...” (também já decidiram nesse sentido, inclusive o Ministro
Celso de Mello, no RE n º 436996/SP, julgado em 26/10/2005, DJ de
07/11/2005, p. 00037). Como diria Luiz Gonzaga, que tão bem cantou a
seca na nossa região: “Se o doutô fizer assim salva o povo do sertão.
Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação! Nunca mais nóis pensa
em seca, vai dá tudo nesse chão. Como vê nosso distino mercê tem nas
vossa mãos” (Vozes da Seca). Posto isto e por tudo mais que dos autos
consta, CONCEDO O PEDIDO FORMULADO NA INICIAL, para proibir que seja
empenhada, ordenada ou de qualquer outra forma paga quantia, pelo
Município de Caraúbas-RN, seja a título de prestação direta, seja a
título de contrapartida em convênio, para custeio de shows de bandas ou
artistas de qualquer natureza, inclusive gastos acessórios como montagem
de palco, iluminação, som, recepção, alimentação, hospedagem,
abastecimento de veículos de artistas ou pessoal de apoio, dentre
outros, isso não só para fins da Festa de Padroeiro de São Sebastião em
2013, mas enquanto durar o estado de emergência a que se referem os
decretos mencionados, sob pena de multa diária que arbitro no valor de
R$ 10.000,00, nos termos do art. 12, §2º, da Lei nº 7.347/85 e art. 461,
§§4º e 5º do Código de Processo Civil, em caráter pessoal ao Sr.
Prefeito Municipal. Outrossim, determino que sejam os demandados
notificados para, querendo, no prazo legal, oferecer manifestação por
escrito (art. 17, parágrafo 3º da Lei nº 8.429/92), bem como citados,
para, querendo, oferecer contestação, no prazo legal, sob pena de
confissão e revelia. Anotações necessárias. Publique-se. Intimem-se.
Cumpra-se. Caraúbas-RN, 10 de janeiro de 2013. KÁTIA CRISTINA GUEDES
DIAS Juíza de Direito
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