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sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

DECISÃO

 Dra. Juíza Kátia Cristina Guedes Dias

Decisão Proferida 
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA Vistos. Trata-se de Ação Civil Pública para imposição de Obrigação de não fazer com pedido liminar, movida pelo Ministério Público em exercício nesta Comarca, em desfavor do Município de Caraúbas e do atual Prefeito Ademar Ferreira da Silva, todos devidamente qualificados nos autos. Aduz em apertada síntese que o Município de Caraúbas, encontra-se no rol daqueles elencados pelo Estado como em situação de emergência, consoante Decreto nº 22.637/2012, prorrogado por mais 180 (cento e oitenta) dias pelo Decreto 23.037/2012. Esse estado de emergência decorre, dentre outros motivos, da ausência de chuvas na região, o que causa estiagem, afetando a população mais carente que vive em sua maioria da pecuária e da agricultura, além de outros “danos importantes e prejuízos vultosos, contribuindo para intensificar a estagnação econômica e o nível de pobreza do semiárido norte-rio-grandense e, consequentemente, os desequilíbrios inter-regionais e intra-regionais”. Afirma o Parquet, que mesmo em face da situação de emergência vivenciada pelo município, o então gestor, em afronta à Recomendação Ministerial anteriormente expedida, realizará entre os dias 10 e 20 de janeiro do ano corrente, a tradicional Festa de Padroeiro da cidade. Alega ainda, que em contrapatida, o Poder Público há anos não desempenha qualquer ação relevante no sentido de estruturar a produção rural ou qualquer outra atividade que amenize o sofrimento de quem vive a situação caótica das secas, vivenciando ainda outras dificuldades financeiras, inclusive para o pagamento dos funcionários da prefeitura. Assim, promoveu a presente, com o fim, não de impedir a realização dos festejos, mas de determinar que as bandas e a estrutura de som, palco e iluminação, não sejam pagas com dinheiro público, requerendo que seja determinada a obrigação de não fazer, proibindo que seja empenhada, ordenada ou de qualquer outra forma paga pelo Município de Caraúbas, o custeio do referido evento festivo (fls. 27). Colacionou documentos (fls. 31/43). Em petição juntada hoje (10 de janeiro de 2013), o Ministério Público afirmou que o Município, na pessoa de seu representante, o prefeito Ademar Ferreira, formalizou pedido perante o Órgão Ministerial, no sentido de tentar formalizar um acordo para a realização do evento festivo, com a redução dos valores inicialmente programados para R$ 160.500,00 (cento e sessenta mil e quinhentos reais). Juntou na oportunidade os documentos que comprovam os valores a serem gastos com a Festa de Padroeiro. Contudo, o Parquet observou diversas irregularidades, as quais dá conta em seu petitório agora acostado, aduzindo que no processo de administrativo que deu ensejo a contratação das bandas foi feito um levantamento de preços com a empresa, tendo esta apresentado um valor a maior e outro a menor, celebrado o contrato pela maior quantia e diante da intervenção ministerial, objetiva-se a adoção da segunda proposta comercial e que tal prática é incabível, pela clara afronta as regras mais comezinhas que norteiam a administração pública brasileira. Fez outras considerações, que no momento não são pertinentes para a análise do cabimento da liminar. É o que importa relatar, passo a decidir. Inicialmente registro que, presentes os pressupostos legais, bem como as condições da ação, recebo a inicial e em consequência passo a analisar a liminar pretendida. Por oportuno é necessário frisar que no presente momento não está em questão a regularidade ou não do processo administrativo que deu ensejo a contratação das bandas, visto que em sede de cognição sumária a atividade do juiz consiste em examinar com menor verticalidade fatos e direitos postos sob sua apreciação para que compreenda algo, não se examinando profundamente o mérito da questão. Ao fazê-lo com razoável agilidade e baixa intensidade, dificilmente o magistrado conseguiria colher da sua cognição a convicção de “certeza” da existência do direito alegado e do fato verificado. Apesar disso, essa espécie de percepção é apta a permitir ao juiz inferir “probabilidades” de existência dos elementos examinados, o que basta à concessão de certas medidas jurisdicionais, a exemplo das cautelares, como é o caso dos autos. Os elementos de que falo são o direito posto em juízo e o fato que pode desencadear-lhe a lesão. Após examiná-los sumariamente, concluindo pela probabilidade do direito e da lesão, o magistrado estará autorizado a determinar medidas jurisdicionais que previnam o dano iminente. Daí os pressupostos “fumus boni iuris” e “periculum in mora” que caracterizam as tutelas de simples segurança. Com relação ao pedido liminar formulado pela parte autora, observa-se que possui como fundamento jurídico o art. 12 da Lei nº 7.347/85 que autoriza a concessão de tal medida em sede de ação civil pública, ao prever que "Poderá o Juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão judicial sujeita à agravo". O deferimento da medida liminar, como dito anteriormente, requer que estejam presentes, simultaneamente, o fummus boni iuris, conceituado como a probabilidade apresentada ao magistrado, mediante uma análise processual em cognição sumária e do periculum in mora, tido como a possibilidade do direito material pleiteado perecer, diante da demora ínsita ao normal procedimento do feito, até o julgamento definitivo de mérito. Analisando a presença dos requisitos em causa, o fummus boni iuris está bem caracterizado, diante da documentação dos autos que confirmam os fatos descritos na peça do MP, bem como através da doutrina moderna que dispõe sobre o direito em si, que indicam a necessidade do controle do ato do gestor público diante da flagrante violação à princípios fundamentais garantidos constitucionalmente, como o da dignidade da pessoa humana e da eficiência. Reportando-se ao caso em tela, verifica-se a presença de requisitos fáticos e jurídicos capazes de atestar a “fumaça do bom direito”. Com efeito, o Ministério Público juntou aos autos documentos hábeis a comprovar suas alegações. Primeiro, é sabido pela população em geral que o município de Caraúbas foi um dos Municípios do estado do Rio Grande do Norte declarado em situação de emergência, por ter sido afetado por desastres naturais relacionados a intensa redução das precipitações hídricas, em decorrência da estiagem, consoante dispõe o Decretos nº 22.637/2012 que foi prorrogado e está em vigor, de acordo com o Decreto nº 23.037/2012, que reconheceu a continuidade da situação por pelo menos mais 180 (cento e oitenta) dias, ou seja, até abril de 2013. O Jornal De fato, em 08/11/2012, publicou que: Na zona rural de Caraúbas, não são apenas os animais que sofrem com a estiagem. Pelo menos 31 famílias do projeto de assentamento Santa Agostinha, sofrem com a falta de água. A localidade é a única do município que não dispõe de um reservatório. As famílias se abasteciam de uma pequena cacimba que, com a seca, praticamente não tem mais vazão. Agora, para não passar sede, eles são obrigados a comprar água, o problema é que, onde falta o básico, dinheiro é um item raro. De acordo com o agricultor Francisco Evanildo Costa, presidente do grupo de jovens da comunidade, o problema é mesmo crônico. “Está complicado porque, além de caro para as nossas condições, está difícil comprar um carro-pipa porque a água está ficando cada vez mais escassa na região”, alerta. A saída é contratar os caminhoneiros de Apodi, mas lá o valor da carga é bem maior. “Já estão pedindo R$ 100 por carro-pipa e isso para as famílias é muito”, completa. O agricultor garante que a questão é fácil de resolver, para isso basta vontade política. Uma alternativa é perfurar um poço no assentamento com profundidade acima dos 100 metros e construir uma caixa de água, a outra, é instalar três quilômetros de canos de um poço já instalado próximo do local. “Algo precisa ser feito, somos 30 famílias”, disse. A maior revolta da comunidade é que o problema é muito antigo e, há muito tempo, as famílias reivindicam uma solução para o problema que está se tornando crônico. A prefeitura já andou articulando uma solução, mas, até agora, tudo não passou de promessas.(Disponível em http://www.defato.com/noticias/8418/comunidade-nao-tem-agua-para-beber-em-caraubas) E as notícias não param por aí, qualquer pessoa que se habilite a fazer uma rápida pesquisa, encontra facilmente na internet as inúmeras reportagens que dão conta do sofrimento que vive a população rural de Caraúbas com a falta de água. Mesmo tendo conhecimento desse fato, e presume-se que o tenha, o Município de Caraúbas resolveu, em desatenção a Recomendação Ministerial para que os gestores públicos municipais evitem destinar recursos para qualquer tipo de festa enquanto durar o decreto de emergência, realizar um grande festejo entre os dias 10 e 20 de janeiro com atrações cujo valor total de R$ 243.500,00 (duzentos e quarenta e três mil e quinhentos reais) contempla quinze dias de bandas, com preços que giram entre R$ 3.500,00 (Banda Caçula Benevides) a R$ 50.000,00 (Banda Solteirões do Forró), além dos gastos com palco som, iluminação, banheiro químico, dentre outras coisas que resultam no valor de R$ 79.970,00 (setenta e nove mil, novecentos e setenta reais). Qualquer pessoa com bom senso diria que não é necessário procurar o Poder Judiciário para que o gestor público investisse o dinheiro em serviços essenciais. Não que eu seja contra os festejos religiosos e culturais, mas no momento o município encontra-se em estado de emergência, sem conseguir sequer realizar o pagamento de sua folha de funcionários, conforme se extrai da ACP também interposta pelo Ministério Público em dezembro último. Não entendo no momento que seja prioridade realocar o valor acima mencionado para o pagamento de bandas. Não dinheiro público. O que se busca na verdade é que diante da situação de dificuldade que o Município passa, que qualquer recurso que exista em suas contas seja direcionado às necessidades primordiais da sociedade, amenizando o sofrimento e a privação de direitos mínimos e fundamentais aos caraubenses. Como bem asseverou em decisão similar em dezembro de 2012, a Juíza de Direito da Comarca de Jucurutu, Dra. Marina Melo Martins Almeida “seria mais fácil para o Poder Judiciário, diante de tal pleito ministerial, reconhecer tão somente a soberania popular que legitimou o Prefeito do município, e deixar em suas mãos, exclusivamente, a gestão das políticas públicas, não intervindo nos atos dotados de discricionariedade. Todavia, quando o magistrado se alija de tais assuntos, acaba abandonando sua função social, ou melhor, seu papel de também defender a efetividade dos direitos mínimos da população que vive sob sua jurisdição, até mesmo para prevenir a judicialização de inúmeras demandas coletivas que buscariam ter acesso à direitos fundamentais violados.” Outrossim, o Parquet juntou também a Recomendação conjunta dos Ministérios Públicos Estadual, Federal, Especial (junto ao Tribunal de Contas do Estado) e o Eleitoral aos 139 municípios do Rio Grande do Norte afetados pela seca, que tem como objeto a visando prevenir a responsabilização dos gestores públicos e da aplicação das sanções administrativas cabíveis, tendo em visto que alguns Municípios abrangidos pelo Decreto nº 22.637/2012, apesar da situação de emergência, vêm empregando verbas públicas na contratação de bandas e realizações de festas, o que mostra incompatível diante da grave situação de seca enfrentada. De forma diferente agiram outros gestores, a exemplo do município de Areia Branca, com seu então prefeito Manoel Cunha Neto, “Souza”(2012), que em obediência ao decreto da governadora Rosalba Ciarlini (DEM) e a recomendação do MP, que proíbe qualquer evento de natureza festiva durante o período de decretação de situação de emergência em 139 municípios, incluindo Areia Branca, cancelou as festas de agosto e com a prorrogação do Decreto, cancelou também as festas de aniversário da cidade. Em que pese o Município ter procurado o Ministério Público, ocasião em que informou “(...) conforme documentação anexa que se dispõe a reduzir pela metade os eventos programados, suprimindo algumas contratações, e chegando a um valor final de R$ 160.500,00 (cento e sessenta mil e quinhentos reais) (...)”, é importante destacar que esse seria o valor referente só aos pagamentos das bandas, ainda teriam R$ 79.970,00 (setenta e nove mil, novecentos e setenta reais), referentes ao som, palco, iluminação, entre outros, temos que a proposta não foi aceita pelo Ministério Público que entendeu, além da presença de algumas irregularidade que para o momento, não devem ser mencionadas, que a administração na primeira proposta pagaria o montante de R$ 16.233,33/dia (dezesseis mil, duzentos e trinta e três reais e trinta e três centavos por dia), tendo quinze dias de espetáculo. Doravante, passará a despender, com a segunda proposta, R$ 26.750,00/dia (vinte e seis mil setecentos e cinquenta reais por dia), para apenas seis dias de evento, ou seja, a proposta tornou o evento relativamente mais caro, o que o torna inviável. No que concerne ao perigo na demora, que significa o fundado temor de que, enquanto se aguarda a tutela definitiva, venham a ocorrer fatos que prejudiquem a apreciação da ação principal ou frustrem sua execução, observo que na verdade este relaciona-se às necessidades mais básicas da população em geral, que estão intimamente ligadas ao princípio supremo da dignidade da pessoa humana. Não estamos falando do que é supérfluo, água é vida e merece do Poder Público toda atenção necessária e organização combativa para, quiçá, amenizar os efeitos de sua falta. Perigo está na demora em atender a população carente da zona rural que sofre com toda sorte de problemas decorrentes da estiagem. Os efeitos da seca são cruéis, merecem mais atenção do Município de Caraúbas, que fechou os olhos para essa situação, por isso merece um freio por parte do Judiciário.(CDROM nº 3, Editado por Revista Jurídica Legislação, Jurisprudência e Doutrina - Out/99. Trabalho de Márcio Louzada Carpena - Medidas liminares do processo cautelar). A análise do perigo na demora é fundamental para a concessão da cautela. Trata-se de questão de bom senso. Em tese, nenhum magistrado deferirá uma medida se averiguar que os efeitos de sua concessão poderá causar danos nefastos e mais violentos do que visa evitar, mas este não é o caso pois não é o intuito do Judiciário tolher a cultura no município, mas, determinar que haja uma razoabilidade na realização do evento, com uma reorganização nos valores descriminados, adequando prioridades para os cidadãos de Caraúbas. Encontramos na jurisprudência diversos julgados nesse sentido, vejamos: “... que a ineficiência administrativa, o descaso governamental com direitos básicos do cidadão, a incapacidade de gerir os recursos públicos, a incompetência na adequada implementação da programação orçamentária em tema de educação pública, a falta de visão política na justa percepção, pelo administrador, do enorme significado social de que se reveste a educação infantil, a inoperância funcional dos gestores públicos na concretização das imposições constitucionais estabelecidas em favor das pessoas carentes não podem nem devem representar obstáculos à execução, pelo Poder Público, notadamente pelo Município (CF, art. 211, §2º), da norma inscrita no art. 208, IV, da Constituição da República, que traduz e impõe, ao Estado, um dever inafastável, sob pena de a ilegalidade dessa inaceitável omissão governamental importar em grave vulneração a um direito fundamental da cidadania e que é, no contexto que ora se examina, o direito à educação...” (também já decidiram nesse sentido, inclusive o Ministro Celso de Mello, no RE n º 436996/SP, julgado em 26/10/2005, DJ de 07/11/2005, p. 00037). Como diria Luiz Gonzaga, que tão bem cantou a seca na nossa região: “Se o doutô fizer assim salva o povo do sertão. Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação! Nunca mais nóis pensa em seca, vai dá tudo nesse chão. Como vê nosso distino mercê tem nas vossa mãos” (Vozes da Seca). Posto isto e por tudo mais que dos autos consta, CONCEDO O PEDIDO FORMULADO NA INICIAL, para proibir que seja empenhada, ordenada ou de qualquer outra forma paga quantia, pelo Município de Caraúbas-RN, seja a título de prestação direta, seja a título de contrapartida em convênio, para custeio de shows de bandas ou artistas de qualquer natureza, inclusive gastos acessórios como montagem de palco, iluminação, som, recepção, alimentação, hospedagem, abastecimento de veículos de artistas ou pessoal de apoio, dentre outros, isso não só para fins da Festa de Padroeiro de São Sebastião em 2013, mas enquanto durar o estado de emergência a que se referem os decretos mencionados, sob pena de multa diária que arbitro no valor de R$ 10.000,00, nos termos do art. 12, §2º, da Lei nº 7.347/85 e art. 461, §§4º e 5º do Código de Processo Civil, em caráter pessoal ao Sr. Prefeito Municipal. Outrossim, determino que sejam os demandados notificados para, querendo, no prazo legal, oferecer manifestação por escrito (art. 17, parágrafo 3º da Lei nº 8.429/92), bem como citados, para, querendo, oferecer contestação, no prazo legal, sob pena de confissão e revelia. Anotações necessárias. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Caraúbas-RN, 10 de janeiro de 2013. KÁTIA CRISTINA GUEDES DIAS Juíza de Direito

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