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segunda-feira, 14 de maio de 2012

O RN no mapa da violência contra as mulheres

A divulgação do “caderno complementar” do Mapa da Violência 2012, confeccionado pelo Instituto Sangari, com dados referentes aos homicídios de mulheres, merece a atenção e análise. Os dados condensados, relativos ao ano de 2010, confirmam as leituras impressionistas, repetidas em conversas cotidianas, de que a violência contra as mulheres no Brasil atinge níveis altíssimos.
Todos os dias somos confrontados com acontecimentos que corroboram nossas leituras impressionistas. Nestes dias, aqui em Natal, estamos chocados com um duplo homicídio, que ceifou a vida de mãe e filha em Nova Parnamirim, torturadas antes de serem mortas.
Voltando aos dados do referido “caderno”, vale a pena destacar um dado inicial: 91 mil mulheres foram assassinadas no Brasil nos últimos trinta anos. E, no mesmo período, o crescimento da taxa de homicídios femininos passou de 2,3 para cada cem mil mulheres, dado de 1980, para 4,4, em 2010.
Fato importante: as taxas crescem até 1996. Depois desse ano, começam a ter um ligeiro decréscimo. É o impacto da Lei Maria da Penha. Uma boa ação do Estado, que tem contribuído para salvar vidas. E salvar vidas é o mais importante, não é?
Como as mulheres estão sendo mortas? Fazendo a comparação com os tipos de homicídios masculinos, temos uma radiografia expressiva. Apresentarei os números, farei os comentários posteriormente.
Comecemos com os meios utilizados para a consecução dos homicídios masculinos e femininos. A arma de fogo é utilizada em 75,7% dos homicídios masculinos, situação diferente dos homicídios femininos, nos quais esse meio é utilizado em 53,9%. Objetos cortantes são utilizados em 15,5% dos homicídios masculinos e em 26,0% dos homicídios masculinos. Objeto contundente, em 5,3% dos homicídios masculinos contra 8,3% dos homicídios femininos. Estrangulamento, em apenas 1% dos homicídios masculinos contra 6,2% dos homicídios femininos.
Vamos ao local dos homicídios agora. Enquanto naqueles que vitimam homens apenas 14,7% ocorrem nas residências ou habitações, em relação às mulheres, esse percentual chega a impressionantes 40%.
Observações apressadas sobre os dados acima apontados:
1) Nos homicídios masculinos, os meios utilizados parecem indicar um objetivo focado: eliminar o outro. Nos femininos, não se trata apenas da eliminação do (a) outra, mas, antes de tudo, de atingir e desfigurar o corpo de quem se deseja eliminar. Seriam homicídios mais passionais? Acredito que essa leitura, muito recorrente na mídia e nas análises mais apressadas, deixa de lado uma dimensão fundamental: os meios utilizados nos homicídios femininos indicam uma intenção que vai além da morte do(a) outra. Trata-se de, desfigurando ou vilipendiando o seu corpo, negar a sua humanidade. Reduzi-la enquanto sujeito.
2) Se todo ato de violência física ancora-se em uma violência simbólica que o possibilita enquanto antecipação da ação, os meios utilizados nos homicídios femininos no Brasil parecem indicar uma relação tão marcadamente instrumental com o corpo feminino (numa gradação que vai do objeto a ser visto e tomado posse, como o nosso cancioneiro vulgar não cansa de repetir, à possibilidade de sua degradação, no momento da morte).
3) A casa não é um lugar seguro para as mulheres. “Lar, doce lar”. Doce? Se 40% dos homicídios femininos ocorrem em residências, podemos supor que os mesmos são cometidos por pessoas próximas (marido, namorado, conhecido…). E olha que estamos nos referindo a um indicador último e extremo de violência contra a mulher que é o assassinato. E os atos que não redundam em mortes e que se perdem nos buracos negros da subnotificação? É um elemento de realidade a reforçar a nossa ideia de que os dados de violência agora apresentados pelo Instituto Sangari expressam uma violência que funciona assim como uma espécie de gramática das relações de gênero no nosso país: o corpo feminino não pertence à mulher, nem mesmo na hora de sua morte. Já não o é naquele da concepção, pois, a negação de direitos reprodutivos (como o aborto) expressa a força social da negação do controle das mulheres sobre os seus próprios corpos.
Bom. Vamos agora para os dados relativos à distribuição geográfica dos homicídios femininos. Quando levamos em conta as informações relativas à distribuição por unidades federativas, a situação do Rio Grande do Norte está longe de ser a pior. Em 2010, ano-base da amostra do Instituto Sangari, 62 mulheres foram assassinado no Estado. Isso significa, em termos da medida padrão de mensuração dos homicídios, em 3,8 homicídios para cada 100 mil mulheres. É altíssimo, mas ainda é menor que a média nacional (4,4) e o índice alcançado por dezenove estados.
Quando focamos em Natal, aí o quadro é negativamente revertido. Com 20 assassinatos de mulheres em 2010, a capital do RN alcança a marca de 6,3 homicídios para cada 100 mil mulheres. Ou seja, percentualmente, na capital que se quer vender como exemplo de qualidade de vida, mata-se o dobro de mulheres do que o restante do estado. Esse quadro levou a capital potiguar a ocupar o 11º lugar dentre as capitais nas quais mais ocorrem homicídios femininos.
A situação em Natal é ruim, mas a de Mossoró é bem pior. Na “capital do Oeste”, em 2010, foram assassinadas 14 mulheres, fazendo com que a cidade alcançasse um índice de 10,4 homicídios para cada 100 mil mulheres.
Ao somar o número bruto de homicídios femininos em Natal e Mossoró, temos nada menos que 34 assassinatos. Ou seja, nas duas cidades matam-se mais mulheres do que em todo o restante do Rio Grande do Norte.
Para se ter uma ideia do quão estarrecedor é o índice de homicídios femininos em Mossoró, basta lembrarmos que o mesmo é maior do que aquele alcançado pelo país no qual mais mulheres são assassinados em média (El Salvador, com 10,3).
Um outro dado geral alarmante, apontado pelo “Caderno” com base em informações ainda em processamento relativos ao ano de 2011, diz respeito a um elemento que emerge quando levamos em conta todos os tipos de violência que vitimaram mulheres. Refiro-me ao fato de que 51,6% das vítimas já haviam sofrido agressões físicas anteriormente.
Uma outra informação relevante é aquela relacionada aos agressores. Apenas 13,8% destes são desconhecidos. O restante divide-se entre cônjuges, ex-conjuges, amigos e membros da família (pai e irmãos, especialmente). Valendo destacar que cônjuges e amigos somados formam 40% dos agressores das mulheres no Brasil
O que podemos concluir? Que estamos vivendo um feminicídio no Brasil. Essa violência contra as mulheres ocorre predominante em espaços nos quais supostamente elas estariam mais seguras: suas residências.
Os dados constantes do documento merecem uma análise mais exaustiva. O que coloquei acima deve ser lido apenas como um estímulo ao debate sobre a violência de gênero no nosso país.
falariogrande.com.br

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